A Perseguição Deliberada de Povos - Pogrom
O
termo pogrom refere-se à perseguição deliberada e violenta de um grupo étnico,
religioso ou cultural, frequentemente com a conivência, aprovação ou omissão
das autoridades locais.
Caracteriza-se
por ataques em massa que incluem assassinatos, saques, destruição de
propriedades (casas, negócios, centros religiosos) e, em muitos casos,
deportações ou expulsões.
Historicamente,
o termo é associado a atos de violência contra judeus na Europa Oriental, mas
sua aplicação abrange episódios em diversas regiões e contra diferentes povos
ao longo do tempo.
Origem e Internacionalização do Termo
A
palavra pogrom, de origem russa (погром, que significa "devastação"
ou "destruição"), ganhou notoriedade internacional após uma série de
ataques antissemitas que varreram o sul do Império Russo entre 1881 e 1884.
Esses
episódios, desencadeados após o assassinato do czar Alexandre II, foram
atribuídos aos judeus por meio de propaganda antissemita, apesar de não haver
evidências de sua responsabilidade.
A
violência resultou em mortes, destruição de comunidades judaicas e protestos
internacionais, além de impulsionar a emigração em massa de cerca de dois
milhões de judeus russos para os Estados Unidos, Palestina e outros destinos
entre 1880 e 1920.
Embora
muitos pogroms fossem apresentados como espontâneos, há evidências de que
alguns foram organizados ou tolerados por autoridades. A Okhrana, a polícia
secreta russa, foi acusada de orquestrar ou apoiar ataques, como no pogrom de
Kishinev (atual Chișinău, Moldávia) em 1903, que durou três dias e deixou
dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares de desabrigados.
A
indiferença da polícia e do exército russo, aliada a incitações antissemitas em
jornais locais, sugeria que os pogroms estavam alinhados com a política interna
do Império Russo, que usava os judeus como bodes expiatórios para desviar a
atenção de crises sociais e políticas.
Pogroms no Contexto da Revolução Russa e Além
A
Revolução Russa de 1917 e a subsequente Guerra Civil Russa (1917–1922)
intensificaram a violência contra os judeus. Durante esse período, pogroms
foram perpetrados por diversas facções, incluindo o Exército Branco, que
associava os judeus ao "complô judaico-bolchevique", uma teoria
conspiratória antissemita.
Na
cidade de Fastov, na Ucrânia, o Exército Voluntário de Anton Denikin massacrou
mais de 1.500 judeus, incluindo idosos, mulheres e crianças. Estima-se que
entre 100 mil e 150 mil judeus foram mortos em pogroms na Ucrânia e no sul da
Rússia, perpetrados tanto pelas forças de Denikin quanto por partidários
nacionalistas ucranianos liderados por Symon Petliura.
Apesar
da brutalidade, algumas comunidades judaicas conseguiram resistir. Durante o
segundo pogrom de Kishinev (1905), organizações de autodefesa judaica
conseguiram deter os agressores em certas áreas, demonstrando a resiliência de
comunidades sob ameaça. Esses esforços, no entanto, eram limitados diante da
escala e da violência dos ataques.
Pogroms Além da Comunidade Judaica
Embora
o termo seja frequentemente associado aos judeus, pogroms também atingiram
outras minorias étnicas, religiosas ou culturais em diferentes contextos
históricos. Exemplos notáveis incluem:
Massacre
de São Bartolomeu (1572, França): Um pogrom contra protestantes (huguenotes)
perpetrado por católicos, resultando em milhares de mortes em Paris e outras
cidades. O massacre foi incentivado por figuras políticas e religiosas,
exacerbando as tensões durante as Guerras Religiosas Francesas.
Perseguição
aos Bahá’ís (1850–1863, Irã): A comunidade Bahá’í enfrentou pogroms
orquestrados por autoridades e civis, com execuções, torturas e destruição de
propriedades, devido à sua fé ser considerada herética pelo establishment
xiita.
Massacres
de Hazaras (Afeganistão, anos 1990–2000): No Afeganistão sob o regime talibã, a
minoria étnica hazara, predominantemente xiita, sofreu pogroms, como o massacre
em Daht-e Leili (2001), onde centenas foram mortos.
Genocídios
modernos: Eventos como o genocídio de Ruanda (1994), onde cerca de 800 mil
tutsis e hutus moderados foram mortos, e os massacres no Camboja (1975–1979)
sob o regime do Khmer Vermelho, podem ser considerados pogroms em larga escala,
devido à violência sistemática contra grupos específicos com a cumplicidade ou
organização estatal.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, cerca de 140 pogroms foram registrados na Europa
Oriental, resultando em aproximadamente 35 mil vítimas, muitas vezes com a
colaboração de populações locais sob ocupação nazista.
A “Noite dos Cristais”: Um Marco na Escalada Nazista
Um
dos pogroms mais emblemáticos do século XX foi a Kristallnacht (ou
Reichspogromnacht), ocorrida na noite de 9 para 10 de novembro de 1938, na
Alemanha e na Áustria.
O
evento marcou o início da escalada do Holocausto, que culminaria na morte de
seis milhões de judeus. Durante a “Noite dos Cristais”, nazistas e civis
atacaram comunidades judaicas, destruindo sinagogas, saqueando lojas e
residências, e espancando ou assassinando judeus.
Milhares
foram presos e deportados para campos de concentração como Dachau. O pretexto
para o pogrom foi o assassinato do diplomata alemão Ernst vom Rath, em Paris,
por Herschel Grynszpan, um jovem judeu que protestava contra a deportação de
sua família.
O
governo nazista, liderado por Joseph Goebbels, usou o incidente para justificar
a violência, que foi planejada e incentivada pelo regime. A polícia e os
bombeiros foram orientados a não intervir, exceto para proteger propriedades de
não-judeus.
Hermann
Göring, figura proeminente do regime, lamentou cinicamente as “perdas
materiais” causadas pela destruição de lojas judaicas, sugerindo que preferiria
a morte de mais judeus a danos a “objetos de valor”.
A
Kristallnacht não foi um evento isolado, mas parte de uma política antissemita
sistemática iniciada em 1933, com boicotes a negócios judaicos, exclusão de
judeus de espaços públicos e a promulgação das Leis de Nuremberg (1935).
Essas
leis proibiam casamentos e relações entre judeus e não-judeus, negavam
cidadania a judeus e impunham restrições severas, como a obrigatoriedade de
nomes “judaicos” (Israel para homens, Sarah para mulheres) nos documentos a
partir de 1939. A violência de 1938 consolidou a marginalização dos judeus, preparando
o terreno para a “Solução Final”.
Causas e Dinâmicas dos Pogroms
Os
pogroms frequentemente surgem em contextos de crise econômica, política ou
social, onde grupos minoritários são usados como bodes expiatórios para desviar
a insatisfação popular. A propaganda desempenha um papel central, disseminando
estereótipos e incitando ódio, como visto nos jornais antissemitas da Rússia
czarista ou na mídia nazista.
A
conivência ou omissão das autoridades é outro fator crucial, permitindo que a
violência se perpetue sem consequências para os agressores. Além disso, pogroms
refletem dinâmicas de poder assimétricas, onde grupos dominantes buscam
reforçar sua supremacia atacando minorias vulneráveis.
Em
muitos casos, a violência é acompanhada de saques e apropriação de bens, o que
sugere motivações econômicas além do ódio ideológico. A impunidade, como na
indiferença da polícia russa ou na inação durante a Kristallnacht, amplifica a
escala dos ataques.
Legado e Relevância Contemporânea
Os
pogroms deixaram cicatrizes profundas nas comunidades afetadas, contribuindo
para deslocamentos populacionais, traumas coletivos e mudanças culturais.
A
emigração judaica da Rússia no final do século XIX, por exemplo, moldou
comunidades diaspóricas em todo o mundo, enquanto a Kristallnacht acelerou a
fuga de judeus da Alemanha, embora muitos países, como os Estados Unidos e o
Reino Unido, impusessem restrições à imigração.
No
século XXI, episódios de violência coletiva contra minorias continuam a ecoar
as características dos pogroms. Ataques contra muçulmanos em Myanmar (2017),
cristãos no Iraque e na Síria pelo Estado Islâmico (2014–2017), ou indígenas em
países como o Brasil e a Austrália, compartilham semelhanças com pogroms
históricos, especialmente quando há omissão estatal ou incitação por parte de
líderes.
A
ascensão de movimentos nacionalistas e a disseminação de desinformação nas
redes sociais têm reacendido o risco de violência contra grupos marginalizados.
O
estudo dos pogroms também levanta questões éticas e políticas: como prevenir
tais atrocidades? Qual é a responsabilidade da comunidade internacional diante
de perseguições sistemáticas?
A
criação de tribunais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, e
mecanismos como a “Responsabilidade de Proteger” (R2P) buscam abordar essas
questões, mas sua eficácia é limitada por interesses geopolíticos.
Conclusão
Os
pogroms representam uma das formas mais brutais de violência coletiva, marcadas
pela cumplicidade ou omissão das autoridades e pela destruição de comunidades inteiras.
Seja na Rússia czarista, na Alemanha nazista ou em conflitos contemporâneos,
esses episódios revelam como o ódio, a propaganda e a indiferença podem
convergir para produzir tragédias.
Compreender
os pogroms não é apenas uma questão histórica, mas um imperativo para enfrentar
os desafios do presente, promovendo tolerância, proteção às minorias e
respostas rápidas a sinais de violência sistemática.
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