A Tentativa de Assassinato de João Paulo II: Contexto, Consequências e Reflexões
Em 13 de maio de 1981, uma quarta-feira, a Praça de
São Pedro, no Vaticano, foi palco de um dos eventos mais chocantes do século
XX: a tentativa de assassinato do Papa João Paulo II.
Enquanto saudava os fiéis em um jipe aberto, o
pontífice foi baleado por Mehmet Ali Ağca, um terrorista turco, em um atentado
que abalou o mundo e deixou marcas profundas na história do papado.
O Atentado
Por volta das 17h, João Paulo II, então com 60 anos,
circulava pela praça para uma audiência geral quando Ağca, um atirador
experiente ligado ao grupo extremista fascista turco Lobos Cinzentos, disparou
quatro tiros com uma pistola semiautomática Browning 9 mm.
Dois projéteis atingiram o papa: um perfurou seu
abdômen, danificando gravemente o cólon e o intestino delgado, e outro feriu
sua mão esquerda. A perda de sangue foi massiva, e o pontífice entrou em estado
crítico.
Testemunhas relataram o pânico na multidão, enquanto
seguranças e fiéis tentavam conter o atirador. Ağca foi imediatamente detido
por forças de segurança do Vaticano e por uma freira que o segurou até a
chegada da polícia.
João Paulo II foi levado às pressas para a Policlínica
Gemelli, em Roma, a cerca de 10 minutos do Vaticano. Durante o trajeto, ele
perdeu a consciência, mas, segundo relatos, manteve a serenidade, orando e
confiando em sua fé.
Antes de ser submetido à cirurgia, o papa instruiu os
médicos a não removerem seu escapulário de Nossa Senhora do Carmo, um símbolo
de sua devoção mariana.
A operação, que durou cinco horas, envolveu uma
colostomia temporária para desviar o intestino grosso e permitir a recuperação
das partes danificadas.
A equipe médica, liderada pelo cirurgião Francesco
Crucitti, trabalhou incansavelmente para estabilizar o papa, que sofreu risco
iminente de morte devido à hemorragia e à gravidade dos ferimentos.
O Papel dos Médicos
A questão levantada sobre o reconhecimento dos médicos
é pertinente. Sem a intervenção rápida e especializada da equipe da Policlínica
Gemelli, é improvável que João Paulo II tivesse sobrevivido.
O Dr. Crucitti e sua equipe foram fundamentais, não
apenas pela expertise técnica, mas também pela capacidade de agir sob pressão
em um caso de tamanha visibilidade global.
A cirurgia envolveu a reconstrução de partes do
sistema digestivo e a gestão de complicações que poderiam ter sido fatais.
Apesar disso, o foco midiático e histórico frequentemente recai sobre o aspecto
espiritual do evento - a fé do papa e sua ligação com Nossa Senhora de Fátima -
ou sobre as implicações políticas do atentado.
Isso pode explicar por que os médicos, embora
essenciais, não recebem tanto destaque. Contudo, João Paulo II expressou
gratidão à equipe médica em várias ocasiões, reconhecendo que sua recuperação
foi, em parte, fruto do trabalho humano aliado à sua fé.
Contexto Político e Teorias sobre o Atentado
O atentado ocorreu em um contexto de tensões globais
durante a Guerra Fria. João Paulo II, o primeiro papa não italiano em 455 anos,
era uma figura central no cenário político devido ao seu apoio ao movimento
Solidariedade, um sindicato católico pró-democracia na Polônia que desafiava o
regime comunista.
Essa postura o tornou um alvo potencial para forças
que viam sua influência como uma ameaça. Em 2006, a Comissão Mitrokhin, criada
pelo governo italiano sob a liderança do senador Paolo Guzzanti, concluiu que a
União Soviética esteve por trás do atentado, utilizando serviços de
inteligência da Bulgária comunista como intermediários.
A teoria, apoiada por figuras como o historiador Michael
Ledeen e setores da CIA, sugere que a GRU (inteligência militar soviética), e
não a KGB, coordenou a operação.
O motivo seria retaliar o apoio do papa ao
Solidariedade, que enfraquecia o controle soviético no Leste Europeu. No
entanto, essas alegações permanecem controversas.
O porta-voz do Serviço de Inteligência Russo, Boris
Labusov, classificou as acusações como “absurdas”, e tanto a Bulgária quanto a
Rússia negaram envolvimento.
O próprio João Paulo II, durante uma visita à Bulgária
em 2002, afirmou não acreditar na conexão búlgara, embora seu secretário,
Cardeal Stanisław Dziwisz, tenha escrito em seu livro A Life with Karol que o
papa suspeitava de uma orquestração soviética.
Mehmet Ali Ağca, por sua vez, ofereceu versões
contraditórias sobre os mandantes do atentado, mencionando ora a Bulgária, ora
outros grupos, o que alimentou a confusão. Sua instabilidade mental e histórico
criminal - incluindo o assassinato de um jornalista turco em 1979 e assalto a
banco - dificultaram a validação de suas declarações.
O Perdão e a Recuperação
Após meses de recuperação, João Paulo II retomou suas
atividades, demonstrando resiliência física e espiritual. Em um gesto marcante
de misericórdia, ele visitou Ağca na prisão Rebibbia, em Roma, dois dias após o
Natal de 1983.
Durante 20 minutos, os dois conversaram em particular.
O papa descreveu o encontro como um momento de perdão, afirmando que via Ağca
como um “irmão”. Esse ato reforçou a mensagem de reconciliação que marcou seu
pontificado.
Ağca foi condenado à prisão perpétua na Itália, mas, a
pedido de João Paulo II, recebeu o indulto do presidente italiano Carlo Azeglio
Ciampi em 2000 e foi deportado para a Turquia.
Lá, cumpriu pena por crimes anteriores até ser
libertado em 2010, após quase 30 anos de prisão. Após sua soltura, Ağca fez
declarações controversas, incluindo visitas ao túmulo de João Paulo II e
alegações de conversão ao cristianismo, que foram recebidas com ceticismo.
A Conexão com Fátima
O atentado ocorreu no dia 13 de maio, mesma data da
primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos em 1917. João
Paulo II atribuiu sua sobrevivência à intervenção da Virgem Maria, afirmando
que ela “desviou as balas”.
Em 13 de maio de 1982, já recuperado, ele visitou o
Santuário de Fátima, em Portugal, para agradecer. Durante a cerimônia, ofereceu
ao santuário uma das balas que o atingiu, que foi colocada na coroa da imagem
da Virgem, onde permanece até hoje. Essa conexão espiritual aprofundou a
devoção do papa a Fátima e reforçou sua mensagem de paz em um mundo marcado por
conflitos.
Impacto e Legado
O atentado contra João Paulo II teve implicações
duradouras. No Vaticano, medidas de segurança foram reforçadas, incluindo a
introdução do “papamóvel” blindado.
O evento também intensificou o debate sobre o papel do
papa como líder moral em um mundo polarizado. Sua recuperação e perdão a Ağca
tornaram-se símbolos de esperança e resiliência, enquanto as investigações
sobre os mandantes do atentado alimentaram discussões sobre a Guerra Fria.
A falta de menção aos médicos, como observado, reflete
uma tendência a priorizar os aspectos espirituais e políticos do evento. No
entanto, a história do atentado é também um testemunho do trabalho humano - dos
cirurgiões, enfermeiros e seguranças que agiram rapidamente.
João Paulo II, canonizado em 2014, deixou um legado de
fé, perdão e diálogo, e o atentado de 1981 permanece um marco de sua vida e
missão.
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