O Homem das Botas Verdes: Um Símbolo Trágico do Monte Everest
Resgatar
escaladores vivos da Zona da Morte no Monte Everest, acima de 8.000 metros
(26.000 pés), é uma tarefa extremamente arriscada. Recuperar os corpos dos que
perecem é praticamente impossível.
Muitos
montanhistas mortos permanecem onde caíram, preservados pelo gelo e pelo frio,
como lembretes sombrios dos perigos da montanha. Entre eles, o corpo de Tsewang
Paljor, conhecido como "Botas Verdes", tornou-se um marco macabro e
uma história envolvente que ressoa entre os alpinistas.
Por
quase duas décadas, o corpo de "Botas Verdes", identificado pelas
botas de caminhada verdes neon, esteve visível em uma caverna de calcário na
rota do cume Nordeste do Everest.
Todos
que passavam por ali, a poucos metros do topo, eram forçados a cruzar suas
pernas congeladas, confrontados com a realidade implacável da montanha.
Acredita-se
que o corpo seja de Tsewang Paljor, um jovem oficial da polícia de fronteira
indo-tibetana, embora sua identidade exata ainda gere debates. Sua história, no
entanto, é um testemunho dos sonhos, riscos e tragédias que definem o Everest.
O Desafio do Everest e a Zona da Morte
O
corpo humano não foi projetado para suportar as condições extremas do Monte
Everest, o pico mais alto do mundo, com 8.848 metros. Além do frio intenso, que
pode causar hipotermia, e da escassez de oxigênio, que leva à hipóxia, a
altitude drástica aumenta o risco de edema cerebral, ataques cardíacos e
derrames.
Na
Zona da Morte, acima de 8.000 metros, o oxigênio é apenas um terço do
disponível ao nível do mar. Nesse ambiente, o corpo e a mente começam a falhar:
a exaustão se intensifica, o julgamento se obscurece, e o delírio pode tomar
conta.
Desde
a primeira tentativa documentada de escalar o Everest, em 1924, até 2015, pelo
menos 283 pessoas perderam a vida na montanha, segundo registros.
A
maioria permanece lá, congelada no tempo. George Mallory, um dos primeiros a
tentar o cume, desapareceu em 1924, e seu corpo só foi encontrado em 1999,
ilustrando a dificuldade de recuperar os mortos.
Além
dos perigos físicos, há um risco psicológico: a "febre do cume", uma
obsessão incontrolável de alcançar o topo, que leva alpinistas a ignorar os
sinais de alerta do próprio corpo ou as necessidades de outros.
A Tragédia de 1996 e o Destino de Tsewang Paljor
A
história de "Botas Verdes" está ligada a uma das piores tragédias do
Everest: a nevasca de 1996, que matou oito alpinistas em um único dia. Entre as
vítimas estava a equipe indiana da qual Tsewang Paljor fazia parte.
Paljor,
de 28 anos, nasceu em Sakti, um vilarejo aos pés do Himalaia. Como oficial da
polícia de fronteira indo-tibetana, ele era forte, determinado e cheio de
orgulho por ter sido selecionado para a expedição que buscava ser a primeira
equipe indiana a alcançar o cume pelo lado Norte.
A
expedição começou com grande entusiasmo, mas a equipe estava mal preparada para
os desafios da montanha. Equipamentos inadequados, falta de experiência em
altitudes extremas e a pressão para alcançar o cume contribuíram para o
desastre.
Em
10 de maio de 1996, Paljor e seus companheiros, Tsewang Samanla e Dorje Morup,
enfrentaram condições climáticas cada vez mais hostis. Harbhajan Singh, o único
sobrevivente do grupo, relatou que tentou convencer os outros a recuar quando o
tempo piorou, mas a febre do cume os impulsionou adiante.
Paljor
e seus colegas alcançaram o cume, um feito extraordinário, mas a vitória foi
efêmera. Durante a descida, uma nevasca brutal os engolfou. Sem visibilidade,
exaustos e desorientados, eles buscaram abrigo em uma caverna de calcário.
Lá,
Paljor morreu, provavelmente de hipotermia ou hipóxia, seu corpo congelado em
uma posição fetal, como se ainda tentasse se proteger da tempestade. Quando
outros alpinistas encontraram o corpo, as botas verdes neon se destacaram na
paisagem branca, dando origem ao apelido "Botas Verdes".
O Legado de Botas Verdes
Por
quase 20 anos, "Botas Verdes" foi um marco na trilha do Everest, um
lembrete constante dos perigos da montanha e da fragilidade humana. Alpinistas
que passavam pelo corpo relatavam sentimentos mistos: respeito, tristeza e um
alerta sobre os riscos que enfrentavam.
A
presença de Paljor tornou-se um símbolo da ética no montanhismo, especialmente
após casos como o de David Sharp, em 2006. Sharp, um alpinista britânico,
morreu na mesma caverna, enquanto cerca de 40 pessoas passaram por ele sem
oferecer ajuda, gerando intensos debates sobre solidariedade e sobrevivência no
Everest.
Em
2014, alpinistas notaram que o corpo de "Botas Verdes" havia
desaparecido. A ausência gerou especulações: teria sido removido por
autoridades, enterrado por outros alpinistas ou coberto por neve?
Nepal
e China negaram qualquer envolvimento oficial. Em 2017, relatos sugeriram que o
corpo ainda estava na montanha, mas movido para um local menos visível,
possivelmente a pedido da família de Paljor, que sofria com a exposição
contínua de seu ente querido.
A
teoria mais aceita é que alpinistas, em um ato de respeito, cobriram o corpo
com pedras e neve, dando a Paljor um sepultamento simbólico. Até hoje, o
paradeiro exato permanece um mistério, mas a lenda de "Botas Verdes"
persiste.
Lições e Reflexões
A
história de Tsewang Paljor e "Botas Verdes" transcende a tragédia
pessoal. Ela expõe os limites da ambição humana, a brutalidade do Everest e as
complexidades éticas do montanhismo moderno.
O
Everest não é apenas uma montanha; é um teste de resistência física, mental e
moral. A febre do cume, o abandono de alpinistas em apuros e a dificuldade de
recuperar corpos refletem os dilemas de um esporte que atrai aventureiros de
todo o mundo.
Nos
últimos anos, o aumento do turismo no Everest intensificou esses problemas. Em
2019, imagens de "engarrafamentos" na Zona da Morte chocaram o mundo,
com filas de alpinistas enfrentando longas esperas em condições letais.
Mais
de 300 mortes foram registradas no Everest até 2023, e a montanha continua a
reivindicar vidas anualmente. Iniciativas para regulamentar expedições e limpar
a montanha, incluindo a remoção de corpos e lixo, têm sido implementadas, mas
os desafios persistem.
"Botas
Verdes" permanece como um símbolo poderoso: um jovem cheio de sonhos,
derrotado por uma montanha implacável, cuja história inspira reflexão sobre
coragem, sacrifício e os custos da busca pela glória.
Enquanto
o Everest continuar a atrair alpinistas, a memória de Tsewang Paljor e de
outros que lá ficaram servirá como um lembrete eterno de que, no topo do mundo,
a linha entre a vida e a morte é incrivelmente tênue.
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