Mário Justino, Nos Bastidores do Reino


 

Mário Justino, Nos Bastidores do Reino e a Igreja Universal: Uma História de Revelações e Controvérsias.

Mário Justino, nascido em São Gonçalo (RJ) em 1965, é o autor de Nos Bastidores do Reino: A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus, uma autobiografia impactante que expõe os bastidores da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada pelo bispo Edir Macedo.

Publicado originalmente em 1995 pela Geração Editorial, o livro causou um terremoto na instituição, que na época enfrentava escrutínios da imprensa e da Polícia Federal.

A obra foi censurada 22 dias após seu lançamento, por meio de uma liminar judicial obtida pela IURD, que tentou, sem sucesso, comprar os direitos do livro para suprimi-lo. Após dois anos, a mesma juíza que proibiu a circulação liberou a obra, reconhecendo que não havia motivos para reparação aos supostamente atingidos.

Em 2021, o livro foi relançado com um novo capítulo, incluindo a íntegra da decisão judicial que derrubou a censura, reacendendo o interesse público e a possibilidade de adaptação para o cinema.

A Trajetória de Mário Justino

Mário Justino, descrito como um jovem negro, inteligente e carismático, ingressou na IURD aos 15 anos, movido por fé e idealismo. Abandonou os estudos em uma conceituada escola técnica no Rio de Janeiro e a convivência familiar para se dedicar integralmente à igreja.

Inicialmente, desempenhou tarefas humildes, como faxina e vigilância, sem remuneração, recebendo apenas três refeições diárias. Sua habilidade oratória e carisma o levaram a ascender rapidamente na hierarquia, tornando-se um pastor influente e um "motor de arrecadação" para a instituição.

Casado e pai de dois filhos, Justino viveu a opulência proporcionada pela IURD, mas logo percebeu o que descreve como a verdadeira natureza da igreja: "uma empresa com fins lucrativos", onde "sexo, dinheiro e drogas se confundem, no mesmo púlpito, com orações e salmos de Davi".

O ponto de inflexão na vida de Justino ocorreu quando ele revelou a suspeita de ser portador do HIV, em uma época (início dos anos 1990) marcada pela pandemia de Aids e pela ausência de tratamentos eficazes, como o coquetel antirretroviral.

Segundo Justino, Edir Macedo, líder da IURD, o expulsou da instituição com palavras duras: “Ora, não se faça de imbecil! Você sabe por que tem de ir. Mas vou refrescar sua mente. Você não pode mais ficar com a gente porque tem Aids!”.

Abandonado pela igreja, Justino enfrentou a dissolução de sua família, caiu em depressão e mergulhou no vício em crack e heroína, vivendo nas ruas de Nova York. Consumido por vingança, chegou

A vingança não consumada de Justino contra Edir Macedo, que incluiu a compra de uma arma e o plano de assassiná-lo, é um dos episódios mais dramáticos do livro.

Ele relata ter tido Macedo na mira, mas desistiu de puxar o gatilho. Após anos de luta, Justino se reergueu, assumiu sua bissexualidade, obteve um "green card" nos Estados Unidos e hoje trabalha como assistente social em Nova York, vivendo uma vida pacificada, sem rancores, e dedicada a ajudar os marginalizados.

O Livro e Sua Repercussão

Nos Bastidores do Reino é mais do que uma denúncia; é um relato humano e literário sobre fé, ilusão, queda e redenção. Justino descreve a IURD como uma organização movida pela ganância, onde pastores "notáveis" eram recompensados com carros, salários altos e viagens por sua habilidade em arrecadar grandes somas, enquanto os menos agressivos na coleta de ofertas eram marginalizados.

O livro detalha práticas como cultos padronizados, com exorcismos teatrais e ênfase em dízimos, que transformavam a fé em um espetáculo lucrativo. A tentativa de censura pela IURD, que incluiu uma oferta de 1 milhão de dólares para engavetar a obra, reflete o temor da instituição em ter sua "miserável humanidade" exposta em um momento de fragilidade, com Macedo enfrentando denúncias e uma prisão em 1992.

O relançamento em 2021 trouxe à tona novos debates sobre a IURD, reforçando a relevância das denúncias de Justino. A inclusão de um capítulo sobre a censura sofrida e a proposta de adaptação cinematográfica, com produção de Nilson Rodrigues, ex-diretor da Ancine, indicam o impacto duradouro da obra.

Críticas ao livro, no entanto, apontam para o estilo literário de Justino, considerado por alguns como sofrível, com o autor se colocando frequentemente como herói. Ainda assim, sua narrativa é vista como um alerta sobre a manipulação religiosa e a exploração financeira de fiéis.

A Igreja Universal e Acontecimentos Recentes

A IURD, fundada em 1977 por Edir Macedo, cresceu exponencialmente desde os anos 1990, tornando-se um império com tentáculos no Congresso Nacional, na economia e nos meios de comunicação, como a Rede Record. A igreja enfrentou inúmeras controvérsias ao longo das décadas, incluindo acusações de lavagem de dinheiro, charlatanismo e enriquecimento ilícito.

Em 2021, a IURD esteve no centro de um conflito em Angola, onde pastores locais denunciaram práticas de exploração financeira e discriminação por parte da cúpula brasileira, ecoando as críticas de Justino sobre a hierarquia de "notáveis" e a desigualdade interna.

Essas denúncias resultaram em investigações por crimes como evasão fiscal, negados pela liderança da igreja.

Recentemente, a relação da IURD com o poder político também foi destaque. A indicação de Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo e ex-prefeito do Rio de Janeiro, para a embaixada do Brasil na África do Sul em 2021 foi vista como um aceno do governo Bolsonaro à igreja, embora Justino acredite que o apoio da IURD ao bolsonarismo não seja definitivo, dado seu histórico de alianças pragmáticas com diferentes governos, como os de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Em 2023, a IURD enfrentou novas acusações de práticas coercitivas em Portugal, onde ex-membros relataram pressões para doações excessivas, reforçando as denúncias de Justino sobre a exploração financeira dos fiéis.

Contexto Atual e Relevância

A história de Mário Justino e seu livro continuam relevantes em um contexto onde igrejas neopentecostais, como a IURD, exercem influência significativa no Brasil e no mundo.

A obra levanta questões éticas sobre a mercantilização da fé e o impacto psicológico e social de instituições religiosas que priorizam lucros em detrimento da espiritualidade.

Justino, hoje com 60 anos, vive em Nova York, onde encontrou propósito ajudando os deserdados, como ele mesmo já foi. Sua mensagem final é de esperança: “Aprendi que somos todos anjos de uma asa só e que precisamos nos abraçar uns aos outros se quisermos voar”.

O livro Nos Bastidores do Reino permanece um testemunho poderoso, não apenas contra as práticas da IURD, mas como uma reflexão sobre a vulnerabilidade humana, a manipulação da fé e a possibilidade de redenção.

Sua leitura é recomendada para quem busca compreender os bastidores de uma das instituições religiosas mais influentes e controversas do Brasil, bem como a força de um indivíduo que superou o abismo para reconstruir sua vida.


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